Ponto prévio:
Dedico o presente depoimento ao Sr. General de 4 Estrelas das FAA Armando da Cruz Neto. Distinto Cabo de Guerra, pessoa de Bem, na sua qualidade de Chefe do Estado Maior General das FAA que, no Natal de 2001, no Posto de Comando Avançado no Moxico, a seu lado com o general Nunda, e também o falecido general Geny, apoiaram-me com um Antonov para a minha evacuação para a base da Catumbela.
Cheguei exausto, barbudo e com a roupa praticamente as tiras. Semi-insconsciente devido a uma malária em campo quase coberto tinha a vista turva e a mente confusa.
Ao desembarcar tropegamente do Antonov , um oficial toca-me amigavelmente no ombro e diz-me:-“ nosso jornalista por favor não esqueça o seu cabaz que o coronel Geny lhe ofereceu no Luena”.
Chegar a casa e abraçar a família. A minha querida esposa Rosita e os meus filhos, Indira, Fábio e Carlinhos e a minha querida mais velha, a Bela.
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O cabaz que o Geny me ofereceu no Luena e eu nem me lembrava, era o meu espólio de guerra, passas de uvas secas, castanhas, licor e whisky do melhor. Tempos mais tarde, o sacana do Geny, já com o grau de general ao ombro, prega-nos a derradeira partida:- Morreu!
Eh este o destino dos Homens!
Obrigado Armando!
Obrigado Geny!
“ Sob o comando de um forte general, nunca haverá soldados fracos”
(Sócrates)
O inevitável drama nos eventos históricos deriva da sua implacável irreversibilidade. Em determinada epoca, cada nação constrói pedaços da sua própria história, com a vivência de momentos bons e de momentos maus.
Assim determina a dinâmica da vida na sucessão dos seus ciclos.
Tempos difíceis forjam homens fortes.
Homens fortes criam bons tempos, tempos de fartura e abundância. E há de se aproveitar esse estágio do ciclo em que o optimismo ainda não os cegou.
A vitória foi duramente alcançada em 19 de Outubro de 1999, mas não estava plenamente consolidada nos dias seguintes. Após a tomada do Andulo, os tiros alastraram-se como fogo na floresta seca para o Cassumbi e chegaram ao Lúbia. Depois encostaram nas margems do rio kwanza. Quanto tempo haveríamos de combater mais? Perguntavam, impacientes e ansiosos de voltar para casa, os soldados fortemente mutimbados. Muitos já não queriam mais combater.
No dia 23 de Outubro de 1999 a notícia espalhou-se como o fogo nas anharas: Simione tombou!
Não foi nem poderia ser uma única mina traiçoeira a arrebatar a vida do intrépido comandante. Uma mina não foi, não senhor! Foram duas, as malditas explosões que romperam o sepulcro da aurora e esventraram a terra humedecida pelo orvalho que acariciava com pólvora a vegetação naquela estranha manhã de Sabado, na estrada do Andulo para o Cassumbi.
Explodiu a primeira armadilha e o alerta foi lançado para o ar. Simione accionou!
Houve uma mobilização geral no posto de comando da Catumbela. Estava uma equipa de médicos do Hospital central militar em Luanda, mobilizada e equipada, pronta a embarcar no TAM, rumo ao Andulo para resgatar as possíveis vítimas.
O valente Amuti também estava no terreno , saindo do seu comando para acudir o chefe. Era a desgraça a desenhar-se no Andulo. Os dois principais comandantes estavam juntos e a situação era rotulada de gravissima.
O Presidente da Republica acompanhava a situação e assumira ele próprio a tomada das últimas decisões. Eis que, deflagra, então, a fatídica segunda mina, quando ele, o comandante, exangue, se encontrava acoitado dentro do veiculo e a ser evacuado para a vila. Mas isso até hoje ninguém consegue explicar devidamente, mas nós sabemos como tudo aconteceu.
Todos os soldados do mundo, aqueles que combateram nas batalhas de verdade, sabem que na guerra existem os chamados dias putas. São jornadas durante as quais o cio da morte deita-se de pernas escancaradas, exigindo sangue humano ao invés de dinheiro. Naquela dia, a puta da metralha traiçoeira escolhera o seu dia e a sua hora. Era uma autentica obra do demonio a sacudir o Andulo.
Começou a ser cumprido o ritual. Os soldados de rosto trancado estiraram solenemente o corpo do comandante por cima do BMP-2 e cobriram-no com o manto sagrado dos guerreiros Cuanhamas. Assim, em caravana rumaram silenciosamente fazendo a viagem de retorno para o Andulo.
Vinte e tres anos passaram desde aquele maldito Sábado, 23 de Outubro de 1999.
Preito em memória do general Simione Mukune, em jeito de justa homenagem à todos os esquecidos soldados que lutaram nas batalhas que se desenrolaram no decurso da célebre “Operação Restauro”, em pleno coração de Angola.
Outubro de 1999. Quando a honradez e o sentido do dever se transformam na virtude do sacrifício supremo.
No decurso do tempo os mais novos podem esquecer, mas a Pátria verdadeira jamais olvidará os que a defenderam com brio nos momentos mais críticos e de provação, para a conquista definitiva da Paz.
Como um dia Heinrich Boll escreveu: “sobre todos aqueles que o poder cósmico da vida preenche, o poder do destino desce por vezes imprevisto, numa súbita iluminação do que será a sua graça e o seu fardo”. Pelo que vivi, ao longo de muitos anos, acredito que Boll tinha razão.
O grande comandante Simione tomba no seu posto de combate. Caiu por etapas, como o majestoso imbondeiro africano para dar lugar ao verdejante milharal que mais tarde saciará a fome dos seus.
Na maldita manhã daquele 23 de Outubro, Simione estava à frente dos seus homens, no seguimento da batalha do Andulo, com a mesma bravura que sempre demonstrara.
Os sábios escreveram na profecia que os verdadeiros soldados são como as estrelas do universo: eles nunca morrem! Mas quando tombam em missão de combate, apenas perdem um pouco da intensidade do seu brilho. Depois continuam, para todo o sempre, orbitando algures na perenidade da imensidão cósmica.
A vida nos ensinou que existem homens-estrelas. São pessoas especiais que nascem com a missão de mostrarem aos outros um caminho seguro, ainda que este caminho se cumpra em noites escuras e incertas. São momentos difíceis, alturas quando imperam dúvidas e incertezas, em que se precisa acertar o rumo, mesmo sem bússolas. Porque, afinal mal, eram eles as nossas infalíveis bússolas.
Era assim o comandante. Simione Mukune. O exemplo acabado da eleita franja da Humanidade que encontra razão de existir, vivendo em permanente desafio, no cumprimento do dever sagrado da defesa da Pátria amada. Como se a morte, ela própria, tivesse o enigmático condão de transformar-se num ritual a ser implacavelmente seguido, para que a Paz resgatar o seu valor supremo, no presente-futuro das crianças do Kuito e de Angola inteira.
Recordamos que nos momentos de desespero, quando a situação se mostrava mais complicada, durante a heróica resistência na cidade mártir do Kuito, apelidada de “Sarajevo africana”, era a serena palavra dada pelo general Simione, registada por Abel Abraão que se transformava no alento para milhões de angolanos, de Cabinda ao Cunene e do mar ao Leste. Kuito não cairia, nunca!
Simione nasceu em Baulila, próximo de Xangongo, no Sul de Angola, na terra dos Cuanhamas, povo guerreiro, conhecido pelo seu orgulho combativo e elegante altivez. Herdeiros da têmpera de Mandume Ya Ndemufayo.
Simione Mukune, o grande general que encontrei e entrevistei na manhã do dia 21 de Outubro de 1999, na frente do Andulo, no calor de uma impressionante batalha que decidiria o futuro de Angola, era um homem de qualidades excepcionais.
Tinha uma personalidade fortemente vincada no sentido da missão que recebera após o falecimento em combate do general Kussumua, na saga dos iintrépidos comandantes do Bié, em cuja galeria figura o malogrado Mambi que antecedera a valente Kussumua.
Na manhã daquele sábado maldito, era a vez do sangue de Simione regar o solo pátrio angolano. O general estava firme no seu posto e partiu em missão para inspecionar as suas forcas desdobradas no perímetro defesa do Andulo para º Cassumbi, onde tinha sido recuperado um grande paiol de armas.
Os relatos dizem que o valente Simione sobreviveu à primeira deflagração da mina anti-tanque, mas inexplicavelmente um segundo engenho foi accionado quando já se encontrava num outro veículo. A explosão causou a morte do comandante e o grave ferimento do brigadeiro Amuti.
Os seus fieis soldados cobriram-no com o manto tradicional dos guerreiros kwanhamas e acomodaram-no por cima de um carro blindado BMP-2. Foi assim, entoando canções guerreiras, que o transportaram até entrarem no Andulo.
Uma equipa médica do Estado Maior General das FAA deslocou-se ao local e confirmou a sua morte, oficialmente comunicada a meio da tarde, a partir do posto de Comando Avançado da Catumbela, pelo então chefe do Estado Maior general das FAA, general de exército João Baptista de Matos, também já falecido.
Dias depois fomos sepultar o camarada general Simione Mukune no cemitério do Alto das Cruzes, numa cerimónia fúnebre a que assistiu o então Presidente da República e comandante-em-chefe das FAA José Eduardo dos Santos e sua esposa Sra. D. Ana Paula dos Santos.
Na passagem do 23 aniversário da morte do general Simione Mukune, a sua imagem continua firme na galeria dos principais cabos-de-guerra angolanos.
Nas complexas operações militares em que participou, transmitia sempre uma inabalável imagem de força e carácter, que faziam dele um dos mais emblemáticos e respeitados militares do exército nacional e um dos obreiros da paz em Angola.
General Simione Mukune, Presente!
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