A FOME JÁ NADA TEM DE RELATIVO! - SALAS NETO



1) Ontem, eram dez e picos da manhã, quando alguém me bateu a porta do chalé. Tratava-se de um meu parente muito chegado, que, estando a passar por momentos menos bons (desempregado, estará a ver o diabo a assar sardinhas para sobreviver, junto do filho de três anitos com que se atrelou, porque, como diz, em casa dos pais da mãe a situação é pior por pobreza extremíssima da família), vinha pedir ajuda para resolver uma questão sensível. «O que é que se passa?», perguntei. «Vim só pedir ao man Tatai um bocado de pão com manteiga, para dar ao miúdo, que ainda não comeu nada», respondeu. Claro que ele próprio devia estar bem fobado também.

Revoltado com a governação do país, em nome da solidariedade familiar, ao invés de lhe dar uma xandula, passei-lhe os últimos dois paus xujos de que dispunha, que por acaso me fariam falta, porquanto a minha vida também anda na merda desde que a cegueira me venceu, sendo obrigado a vegetar com uma pensão de reforma humilhante, igualmente à mercê da caridade alheia para a cobertura de muitos assuntos. Bom, ele que se safasse com os dois paus xujos, o máximo que podia fazer naquela hora.



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2) Estávamos no fim da tarde de ontem, quando o KB Gala me liga para irmos «fazer as pazes» na placa dos traiçoeiros, depois de um acalorado quiproquó que tivemos, primeiro no facebook e a seguir ao telefone, na sequência de um mal-entendido surgido à volta dum meu pedido de esclarecimento sobre a data exacta das grandes enxurradas que Luanda registou nos primórdios dos anos sessenta (já se sabe que foram em Maio de 1963). Ele me chamou muito sofisticadamente de chanfrado, quando já não se justificava, ao que lhe dei o troco, pedindo-lhe para que não se fizesse de 140KB (parvo), que não lhe ficava nada bem. E lá «fumámos o cachimbo), cada três birras, falando sobre os assuntos mais quentes do país dos últimos tempos, com natural destaque para a esquisita e desacompanhada saída de Paulo de Almeida da chefia da polícia.

O KB Gala baza e surge no seu lugar, acho que já estava a tanguelar, um meu vizinho amigo. «Saleno, passa lá 500 paus, que estou fobado!», disparou ele à queima-roupa, descaradamente como sempre, algo que lhe aprecio, pois não gosto de truquistas, fingidos. Só que bateu na barra, pois já estava zero-a-zero no marcador, como diz a minha velha.

No entanto, pouco depois passou o Alex, um puto oficial da polícia, que ajudou a resolver o problema do coiso, que, também desempregado e ainda por cima doente, está com uma vida nada boa. «Meu, ó Alex, arranja lá 500 paus para este gajo, ele disse que está bem fobado», cambulei e por sorte a coisa pegou. Assim que regressou, depois de ter ido à casa tirar a farda e passar uma água, o tropa trouxe os 500 paus e ainda pagou umas duas rodadas, já com a infiltração do Ti Perdido, que é especialista na marcação homem-a-homem. 

Eram já vinte e tais, quando o vizinho amigo chamou um puto lá de casa para ir à cantina, que está de mamadu novo, comprar um quilo de arroz, nem sei se os 500 paus chegaram. Perguntei-lhe se havia açucar ao menos para fazer um «arroz de vidro», arroz-doce sem leite nem nada, e ele disse que não. Ele e os seus do cubico, pelo menos as crianças, haveriam de embrulhar o arroz só mesmo com água e sal, para sossegarem a lombriga, se calhar na que seria a única «refeição» do dia.

Esta fome, assim, é relativa ou absoluta?



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